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O SORRISO DE ACOTIRENE
Artista selecionada Programa Mostra de Artes Visuais 2018 Centro Cultural São Paulo - CCSP

Entrevista:
http://centrocultural.sp.gov.br/site/programa-de-exposicoes-2018-monica-ventura/?fbclid=IwAR2YOarLwV2i_MKyFTNO_eTI5du5rmIyl0GZUXIKxtNLBSRfcdN2hTaXos8

Um sorriso pra quem passou, um monumento pra quem seguiu. 

 

A visita a um atelier-aquilombado de cara já me parecia dizer muito sobre o processo dessa obra: nenhuma parede separa os gestos que traça Acotirene nas suas idas e vindas em busca por sabedoria. “A gente sempre acha que o projeto é o lugar de chegada e só no caminho que entende que ele foi apenas uma desculpa para reconexão com o que os nossos olhos não são capazes de escutar no dia-a-dia”. 

 

Soprou-me aos ouvidos Acotirene desde o início. 

 

Como você pode perceber, Acotirene não se trata do que vemos mas sobretudo dos seus movimentos. As águas que inundam suas cabaças regam as políticas dos encontros. São carregadas de descobertas e incursões sobre si e sobre o mundo. 

 

O que pode a arte então na prática dos contágios? 

 

Falo não da sua vocação para afetar uma audiência esteta institucionalizada mas, de quando o gesto de mobilização plástica e matérica, não estando essencialmente interessada em responder as posições do mundo, se vê implicada sobretudo em proporcionar ajustamentos como estratégias de gestão de si. E nesse caso, não haveria nada mais relevante que o caminho que se trilha na busca por elaborar essa que nos parece surgir como memórias aquáticas, território soberano do corpo. 

 

Mas no processo interativo com a obra, o que nos fala mais alto? A dimensão, o espaço ou seu composto matérico orgânico? Ao que nos conecta uma cabaça? Me ajusto a ela pelo o que me incomoda e suas estereotipias? Ou ando cedendo a minha completa ignorância e incompreensão? 

 

Observo o excesso e simpatizo com a repetição: cachos e cachos se agrupam, imaginar grande é um desafio vencido na plantation. Se associa com o diagnóstico que tive durante uma recente pesquisa: trabalhar com o espaço é uma lacuna na historiografia da arte contemporânea quando enunciada por um corpo negro. Acotirene como uma mulher sábia, faz a sua tentativa escultórica e alinhava plano do conteúdo ao plano da expressão com esmero e definida intenção. 

 

No entanto, para ajustar-se a obra no baile dos contágios, solicita-se uma sensibilidade perceptiva e uma competência cognitiva e epistemológica em perspectiva. Só assim poderemos falar sobre corpos que sentem e corpos sentidos, só assim a fruta poderá estar apta a significar o que o barulho da noite não é capaz de fazer-lhe escutar. Dito de outro modo, cabaça por cabaça Acotirene nos convoca a conhecer mais:

 

Se nem tudo são luzes, a gente se ascende é nos outros.

E onde não há luz, há profundidade. 

 

Do encontro sobre essa obra caminhante que propõe Mônica Ventura para a II Mostra do Programa de Exposições 2018 do CCSP, carreguei ainda como impressão desse ajustamento, o entendimento sobre como se manifesta uma energia feminina de criação, que até pode estar explícita no título mas que anda certamente bem longe da experiência vivida. Colecionando alguns experimentos na performance, é indissociável a qualidade de presença que movimenta no espaço performando cabaças a artista, que com doçura e passo afiado, coloca em cena a sua trajetória como uma realizadora multidisciplinar. 

 

Uma beleza de processo de pesquisa e uma total disponibilidade de ação que faz com que estejamos também a largos passos distantes das lógicas da representação: não é do mundo das encenações o que trouxe de gente cada semente. Planta-se aqui com seus frutos uma busca por raízes e ainda que seja redutível significar a ancestralidade em uma única casca, potente são as águas que se movem, conhecimento motor de quem se ajusta trocando cabaças pelo caminho.  

 

Instalando-se aqui, Acotirene fica como um sorriso pra quem passou, um monumento pra quem seguiu. 

 

Diane Lima.

Curadora integrante do Grupo de Críticos de Arte do CCSP-Centro Cultural São Paulo

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