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Exposição Sábado 
Consulado Geral de Portugal em São Paulo
2022

Sábado 

Mônica Ventura e Rita Gaspar Vieira

 

Foi numa tarde de sábado, em 1822, quando às margens do rio Ipiranga D. Pedro I, montado em uma mula, proclamou o grito de independência. As celebrações da efeméride, ainda hoje povoada por mitos e equívocos históricos, são o ponto de partida para a construção desta exposição, que promove o encontro entre a brasileira Mônica Ventura e a portuguesa Rita Gaspar Vieira. 

 

O sábado, dia da semana que na tradição judaico-cristã está reservado ao descanso e à oração, aqui é evocado para sugerir um momento de escuta e reflexão sobre os ecos do passado no presente. Com suas propostas ambas artistas procuram examinar e evidenciar feridas ainda abertas e dinâmicas que se perpetuaram ao longo desta história compartilhada. Ao mesmo tempo, existe por parte delas um desejo de semear e criar um espaço comum, de cura e transformação. Dia de Saturno, Deus da agricultura, o sábado é também um momento para observar o ciclo da natureza e o crescimento de uma nova vida. 

 

As obras, em sua maioria produzidas especialmente para o projeto, foram concebidas em diálogo com a arquitetura, os jardins e a condição política e simbólica do Consulado Geral de Portugal em São Paulo —espaço que manifesta a complexidade da relação de mais de cinco séculos entre os dois países—. Ambas artistas contaminam e ocupam este lugar propondo aos visitantes outras leituras desta história e novas coreografias e vivências. 

 

Com raízes negras e dos povos originários do que hoje chamamos Brasil, Mônica Ventura parte da recente chegada ao país do coração embalsamado de D. Pedro I para criar uma obra pulsante que se capilariza pelo espaço e se transforma ao longo do período expositivo. Em um movimento oposto ao do coração do Imperador, guardado a sete chaves no Porto, o órgão vital idealizado pela artista rejeita a ideia de permanência e eternidade. Sua peça é efêmera e desobediente. Construída em uma ação ritual a partir da junção e entrelaçamento de elementos naturais, ela se infiltra e se expande para construir uma teia rizomática. 

 

Se por um lado a artista brasileira traz referências e saberes ancestrais ameríndios e africanos ligados a uma consciência ecológica, Rita Gaspar Vieira utiliza elementos orgânicos para evocar fantasmas e tocar em questões de identidade nacional e fronteiras. No Consulado Geral, um espaço oficial de representação, a artista portuguesa trabalha a partir dos símbolos nacionais de ambos países, que no caso do Brasil estão associados a uma linha de pensamento concreta desde a apropriação da bandeira nacional e do verde e amarelo no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e na campanha de Jair Bolsonaro. Esquematizadas em tecidos de algodão, despidas de suas cores originais, aqui as bandeiras servem como suportes para derrames de papel artesanal pigmentado com terra das duas geografias. As peças procuram aludir ao passado presente comum e suas várias marcas e cicatrizes. Ao mesmo tempo que buscam questionar nacionalismos, procuram também imaginar uma possível identidade coletiva, híbrida e em constante revisão e transformação. Talvez, o único caminho possível daqui para frente.

 

Isabella Lenzi

curadora

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